e eu sinto-me esmagada pelo consenso. O consenso é daquelas coisas que me esmaga e esmifra e esvazia e rasga até me fazer sentir carcomida e sequinha e sugada e enxuta, o consenso seca-me toda por dentro e por fora, fico toda picadinha, toda consumida, toda inexistente, toda destruída e mirradinha. J.M. Vieira Mendes, Suspiro
MATRIZ é um espetáculo disparatado em que duas pessoas descrevem o mundo como uma sequência de disparates. As duas pessoas tentam fazer um número de equilibrismo nas contradições, procurando o desequilíbrio como lugar. E, como tal, caem frequentemente na armadilha das suas próprias palavras e dos seus disparates, esperando a cada vez ter despistado os sentidos que lhes são impostos, sejam eles os sentidos que apontam a direção, os sentidos que apontam aos significados ou os sentidos que nos apertam o coração.
MATRIZ é também uma cortina que não esconde nada porque não há nada para esconder. Protesta contra a economia dos segredos sabendo-se dentro dela e fala e fala e fala e apesar disso, sobre este espetáculo, continua a dizer-se que não diz nada. Porque se pressupõe que há um mundo a sério e um mundo a brincar, um discurso disparatado e um discurso acertado. Enfim, é o mundo em que vivemos. Ou em que não vivemos. Ou em que não queremos viver. E a quem considerar que o espetáculo é do contra sopramos ao ouvido que
MATRIZ é sobretudo a favor de si próprio. Para os espectadores mais dados a questões práticas, este é um espetáculo do Cão Solteiro que pediu a José Maria Vieira Mendes um texto quando ainda só tinha o título do espetáculo. Entretanto o tempo passou, o texto escreveu-se e chama-se SUSPIRO e é um texto dramático. Quanto ao espetáculo, foi sendo pensado entre a Mariana Sá Nogueira, a Paula Sá Nogueira e a Patrícia da Silva, lutando contra os requisitos da ação, da visibilidade e da compreensão, matrizes de uma ideia de teatro que é também uma ideia de arte. Para que tudo isso estivesse presente, mas não fosse a presença, o artista plástico Vasco Araújo tricotou duas cortinas que não servem para nada e que replicam todas as outras cortinas e panos e panejamentos e tecidos com que se insiste vestir os teatros como se eles tivessem frio ou devessem ser alguma coisa ou tivessem de esconder qualquer coisa, como se o teatro fosse obrigado a ser o lugar da magia e da ilusão e do segredo, lá está. Como se o teatro fosse uma azeitona com um caroço e o espetáculo fosse uma azeitona com caroço e o caroço é o que levamos para casa, uma ideia com que MATRIZ se irrita muitas vezes porque em MATRIZ não há caroço. É por isso também que Daniel Worm D’Assumpção, que desenhou a luz do espetáculo, decide dar uma perninha para encarnar o Nada, personagem que descende do Ninguém de Garrett mas não lhe liga nenhuma. E lá vem ele em todo o seu esplendor luminoso declarar-nos a inexistência da interioridade, dando-nos o prazer de aceder à estética da inexistência. E suspiramos e relaxamos no disparate.
Data
24, Novembro 2022
Horário
21H30
Duração
1h00
Faixa etária
M12
Preço
€7
€5
descontos TAGV
< de 25 anos, estudante, comunidade uc, rede alumni uc, > 65 anos, grupo ≥ 10, desempregado, profissional do espetáculo, parcerias TAGV
Os bilhetes com desconto são pessoais e intransmissíveis e obrigam à identificação na entrada quando solicitada. Os descontos não são acumuláveis
Local auditório TAGV
um espectáculo Cão Solteiro
criado por Daniel Worm D’Assumpção, José Maria Vieira Mendes, Mariana Sá Nogueira, Patrícia da Silva, Paula Sá Nogueira, Vasco Araújo
montagem Nuno Tomaz
produção executiva Mariana Sá Marques
direção de produção e fotografia Joana Dilão
residência Espaço Casa Cheia
cedência de material cénico Plataforma285, Teatro Praga
companhia financiada República Portuguesa. Cultura – Direção Geral das Artes, Câmara Municipal de Lisboa
coprodução Teatro Académico de Gil Vicente